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Artigo: Cajado sertanejo

Nos sertões do Seridó, é comum avistar chifres de boi fincados nas estacas dos quintais, nos currais ou à beira dos caminhos. Desde menino, aprendi que aquilo era uma simpatia — um gesto simples, mas carregado de crença — para espantar o mau-olhado, afastar o azar e atrair a boa sorte. Esse costume, passado de geração em geração, continua sendo um valor cultural profundo, quase sagrado, nos terreiros do sertão do nordestino.

No entanto, ao me debruçar sobre a influência hebraica na formação cultural do Seridó, vislumbrei uma outra dimensão para esse hábito aparentemente popular. É possível que, por trás dessa prática, se esconda um resquício de criptojudaísmo — uma memória oculta trazida pelos primeiros colonos ibéricos de origem judaica que se estabeleceram na região a partir do século XVI, para se proteger das perseguições religiosas.

Na tradição hebraica, o chifre de carneiro ou de outro animal é utilizado como instrumento musical e ritual: o shofar. Ele possui uma profunda importância espiritual e religiosa, sendo tocado em momentos sagrados como o Rosh Hashaná e o Yom Kipur, uma espécie de berrante. Conservado por séculos pela comunidade judaica, o shofar carrega um chamado à reflexão, à conexão com o divino, à identidade.

Dessa forma, é possível imaginar que os judeus recém-chegados ao sertão, vivendo sob a vigilância da Inquisição e forçados à conversão, mantinham em segredo parte de sua tradição. Fixar chifres nas cercas poderia, além de camuflar sua fé sob a roupagem de uma crença popular, proporcionar-lhes um conforto espiritual, uma memória simbólica de suas origens. Para os de fora, diziam que era coisa de sertanejo, “pra dar sorte e espantar olho grande”. Mas, para os de dentro, era um sinal sagrado e silencioso de identidade e resistência. Um código milenar dos mandamentos da disciplina religiosa.

Assim, o que hoje chamamos de folclore pode, na verdade, ser uma herança criptojudaica enraizada e camuflada pela poeira dos séculos — um testemunho do quanto a cultura sertaneja é, ao mesmo tempo, simples e profunda, regional e ancestral.

Janduhi Medeiros

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